quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mona - Capítulo 4 - pt 2

Kudria voltou-se para Jeremias e disse com voz baixa e calma.

- Por favor, senhores, sigam-me.
- Você disse que íamos esperar a senhorita Mona aqui. – Retrucou Jeremias, desconfiado. – Para onde você quer nos levar agora?
- A senhorita Simone estará bem. Imagino que estejam com fome e queiram banhar-se e dormir um pouco. Vou levá-los até os aposentos de visitantes. Lá vocês poderão descansar e comer.
- Vocês nem sempre são tão amistosos assim, não é querida?
- A que o senhor se refere?
- Um amigo nosso veio aqui antes de nós e ele foi torturado e morto.

Kudria deu um profundo suspiro, baixou a cabeça e respondeu em voz baixa, olhando para o chão.

- Você deve estar falando do senhor Carlo, não é?
- Ah, foi você quem o torturou?
- Ao contrário senhor. Eu o amei e esperei ser amada por ele, mas Carlo nunca a esqueceu. Eu carrego um filho dele em meu ventre.
- O quê? Você deve estar brincando. O Carlo não passou mais que algumas horas aqui. Como é que você pode tê-lo amado. E quem ele nunca esqueceu? Que viagem é essa? – Disse, indignado, Jeremias.

Um jovem hurru aproximou-se e falou em voz baixa com Kudria. Ela acenou com a cabeça e depois voltou-se para Margarida e falou, apontando para o jovem.

- Esse é Moraneo. Ele é um dos nossos mais jovens soldados. Ele tem apenas 20 anos, segundo o seu modo de contar o tempo.
- E daí, benzinho? O que isso tem a ver com o Carlo?
- Moraneo é filho do senhor Carlo.
- Que? – berraram em uníssono os três.
- O-o Ca-carlo só PA-passou algu-gumas ho-horas aqui.
- Pois é. Que história é essa? Vocês estão querendo brincar com a gente?
- Não me levem a mal, por favor, senhores. Eu estou falando a verdade.
- Meu amor, é simplesmente im-pos-sí-vel o Carlo ter um filho de vinte anos se ele só passou um tempinho aqui. Não tem como, ta? Qual é a sua?
- Senhor, aqui o tempo passa de uma forma diferente do seu tempo.
- Como assim?
- Desde que cruzamos o portal do templo da lua nós estamos em um plano diferente daquele que vocês vieram. Quando vocês atravessarem aquela porta novamente poucos minutos terão passado na sua dimensão, mas diversos anos poderão ter passado aqui.
- Mas, mas. – tentou falar Jeremias, mas as palavras não vinham.
- Sim, eu entendo. Vocês estão acostumados a pensar em apenas uma dimensão.
- Querida! Você está querendo me dizer que nós não estamos mais em Fidis?
- Sim, vocês continuam em Fidis, mas em uma outra dimensão de Fidis. Um universo paralelo. Na verdade vocês estão a meio caminho de um universo paralelo. Por algum motivo, que não entendemos, vocês humanos não conseguem terminar a travessia entre as dimensões. Parece que vocês estão tão presos à sua própria dimensão que não é possível terminar de atravessar.
- Então nós não podemos entrar em sua dimensão? – Perguntou Jeremias.
- Não, não podem. Se vocês tentarem passar pelo portal para a nossa dimensão vocês ficarão presos entre os dois universos.
- E vocês pretendem nos deixar aqui?
- Não sei. Sinceramente não sei o que minha mãe pretende fazer.
- E é com sua mãe que a senhorita Mona está conversando?
- Sim. Ela é uma humana, como vocês. Ela tentou fazer a travessia para a nossa dimensão.
- Então ela está entre as duas dimensões?
- Sim.
- Como alguém pode estar nem cá, nem lá? Isso é demais para minha cabecinha. Ou está aqui ou está lá.
- Infelizmente, senhor
- Me chame de Margarida. Sem o senhor, por favor.
- Como quiser. Infelizmente Margarida as coisas não são tão simples quando pensamos em dimensões e universos paralelos. Entre as diversas dimensões existem pontes que nos permitem seguir de um lado para outro, mas o seu povo, uma vez na ponte, não consegue abrir as portas do outro lado. Minha mãe passou a porta de um lado, mas não conseguiu abrir a do outro. E também não conseguiu mais abrir a porta para retornar ao seu mundo.
- E um de vocês não consegue abrir a porta para ela?
- Nós já tentamos mas ela não consegue ver a porta aberta. É um caminho que ela tem que encontrar sozinha e por onde tem que passar com suas próprias pernas. Por mais que tentemos, está além de nossas forças ajudá-la.
- Mas você disse que o Carlo foi ao seu mundo e voltou.
- Sim. – Disse Kudria pensativamente - Ele conseguiu terminar a travessia. Por mais de mil anos nós acreditamos que era impossível alguém de sua raça ultrapassar as pontes entre os universos, mas ele conseguiu.
- Como ele conseguiu e sua mãe não? – perguntou Jeremias. - E quem é sua mãe?
- O nome de minha mãe é Gorgéa. Ela é aquela que deu o nome à lua branca.
- Há, queridinha, não brinca com a gente, ta? Ela teria mais de mil anos agora.
- Sim, ela tem pouco mais de mil e duzentos anos.
- Tudo isso que você está falando é verdade? – Continuou Jeremias, sem se importar com a interrupção de Margarida.
- Sim, é verdade, garanto a vocês.
- Então me explique porque Carlo passou e sua mãe não, por favor.
- Depois que o senhor Carlo conseguiu terminar a travessia muitos de nossos sábios puseram a se perguntar justamente isso. Por que ele conseguiu atravessar. Acreditamos que tenha algo a ver com a clareza da mente do senhor Carlo. Entendam. Quando Gorgéa, minha mãe, tentou ultrapassar a ponte entre nossos universos, ela estava fraca e confusa. Ela havia tentado se matar, junto à sua irmã, e sentia culpa por Marcear ter morrido e ela não. Hoje nós acreditamos que essas dúvidas tenham sido as responsáveis por sua prisão. Ela está presa dentro de sua própria mente.
- E o Carlo não tinha dúvidas?
- O senhor Carlo era dominado pelos sentimentos de dever e de responsabilidade.
- Sim. O Carlo era assim. – disse Jeremias.
Depois de alguns segundos Kudria continuou.
- Ele também era dominado pelo rancor e ódio por uma mulher. Laurane. Ela lhe fez muito mal.
- Ai, amorzinho. Há anos ele não pensava mais naquela vaca.
- Não, Margarida. Ele pensava nela todos os dias. Todo o tempo ele a tinha na cabeça.

Um silêncio pairou sobre o grupo, enquanto todos pensavam em Carlo e em quanto ele deve ter sofrido para ainda pensar nela, tantos anos depois, impressionados como certas feridas de amor custam a se fechar.
Finalmente, depois de vários minutos Jeremias voltou à carga.

- E agora? O que vocês pretendem fazer conosco? E porque torturaram Carlo daquela forma?
- Nós não o torturamos, pelo menos não conscientemente. Uma noite o senhor Carlo fugiu de onde estava hospedado e atravessou a ponte de volta para o seu plano. Ao sair pelo portão do templo da lua ele se viu no meio de um grupo de maglures. Eles o atacaram e provocaram os ferimentos que vocês viram.

- Mas ...
- Acreditem em mim. Nós não lhes queremos mal. Nem queríamos mal ao senhor Carlo. Por favor, aceitem nossa hospitalidade e sigam-me. Vocês ficarão bem.

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Mona permaneceu um bom tempo olhando dentro dos olhos de Gorgéa, em um silêncio meditativo e profundo. Em sua mente faiscavam imagens do seu passado. Um sentimento de indignação e revolta crescia dentro do seu peito. Não aceitaria ser tratada como se fosse uma porca reprodutora. Um mero receptáculo. Não deixaria seu corpo usado à sua revelia. Também não queria se submeter àquela gravidez. Só em pensar que se aceitasse o que Gorgéa estava propondo lhe dava arrepios. Ela não carregaria um alien dentro de si. De forma alguma aceitaria isso.

- Então Mona, o que você escolhe?
- Por quê tem que ser dessa forma? Por quê uma das fêmeas hurru não engravida de um dos rapazes? Tenho certeza de que eles não ficarão chateados com isso.
- Você acha que nós não tentamos isso antes? Infelizmente não funcionou como deveria. Os hurrus possuem uma estrutura de DNA diferente da nossa. Na verdade inversa à nossa, o que faz que as hurrus inoculadas com espermas humanos necessariamente tenham filhos machos. Ao passo que as mulheres humanas que engravidam de hurrus necessariamente terão filhas. E para fazermos a população de hurrus voltar a crescer nós precisamos de fêmeas e não de machos. É através delas que o gene corrigido se propagará. Você é a única saída.
- Não. Eu não aceito que vocês usem meu corpo dessa forma.
- Por favor, não faça isso ser ainda mais complicado. Não queremos agir à sua revelia, mas não deixarei todo um povo desaparecer por causa de sua insensibilidade e egoísmo.
- Egoísmo? E minha dignidade? Você está me usando, ameaçando usar o meu corpo sem meu consentimento.
- Mona será que você não é capaz de se sacrificar um pouquinho que seja para promover um bem tão maior? Pense que você será a mãe de todo um povo. A salvadora de todo um povo, assim como eu fui a ruína desse povo.
- Não, não... Por favor, não me peça isso. Eu não estou preparada para ser mãe.
- Nenhuma de nós está preparada, até o momento de o ser. Você está assustada porque é algo novo e inesperado. Confie em mim. Tudo dará certo. E depois, se assim o desejar, você poderá partir, como se nada tivesse acontecido aqui.
- Como se nada tiver acontecido? Você está me pedindo para ter um filho, deixá-lo para trás e esquecer que ele existe. Um filho alienígena. Você não percebe o quanto está exigindo de mim? Como você acha que eu vou me sentir sabendo que gerei uma criança e a abandonei? Como eu poderei me olhar no espelho e ter respeito por mim mesma? Você está me pedindo demais.

Mona respirava fundo. O ar vinha em arquejos. Era como um pesadelo. Sem perceber o que fazia ela caminhava de um lado a outro da sala, uma fera enjaulada. Seus sentimentos eram confusos mas acima de todos eles ela sabia que estava o medo. Medo de ser mãe, de todas as transformações que seu corpo sofreria nesse processo. Não. Estavam pedindo demais. Ela estava pronta para fazer sacrifício, sim. Mas esse era um sacrifício grande demais. Ela estava confusa.

- Simone – chamou Gorgéa com voz doce.

Mona parou e olhou para a imagem daquela mulher que lhe pedia tanto.

- Simone, eu não quero o seu mal. – disse ela com lágrimas nos olhos. – eu estou te pedindo ajuda. Por favor, me ajude a salvar os hurrus e consertar o mal que eu causei.

- Eu, não posso. – e num gesto de desespero Mona abraçou o próprio corpo, virando de costas para a outra mulher.

- Por quê não? – sussurrou Gorgéa.
- Eu tenho medo.
- De quê?
- Quando estava vindo para Fidis eu fui emboscada por piratas. Eu lutei contra eles e matei alguns.
- E o que isso tem a ver com o nosso problema?
- Eu não contei para ninguém o que aconteceu de verdade em minha viagem.
- E o quê foi?
- Depois de explodir as duas naves dos piratas eu achei que estava sozinha e segui em direção a Fidis mas.
- Mas o quê?
- Eles me pegaram.
- Os piratas?
- Sim. Os piratas. Eles me aprisionaram e..
- E?

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