quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mona - Capítulo 3 - pt 2

A Lua Viva

Na manhã seguinte o corpo foi limpo e arrumado, como se estivesse se Carlo estivesse se preparando para a batalha, depois o colocaram sobre um estrado de madeira feito por Canjica e Jeremias. Por fim Jeremias se encarregou de atear fogo no estrado. As chamas arderam em volta do soldado caído e em poucas horas haviam-no reduzido a pó. As cinzas então foram recolhidas e atiradas ao Grande rio.

Ao cair da noite do segundo dia desde que aportaram na margem direita do rio, os quatro se reuniram em uma das tendas para decidir o que seria feito agora. O alerta de Carlo ainda ressoava na cabeça de cada um deles. Mas uma estranha mudança de atitude havia ocorrido nas últimas quarenta e oito horas. Especialmente em Mona e em Margarida. E foi a moça quem primeiro se dirigiu ao grupo. Estava visivelmente emocionada, mas mantinha-se firme, seca e fria, como se já tivesse derramado todas as lágrimas que existiam dentro de si.

- Bom, rapazes, vocês vieram aqui como minha escolta, para uma tarefa que deveria ter sido muito simples. No entanto já perdemos dois de nós e vocês ouviram o aviso de Carlo. Nas ruínas existe algo ou alguém cruel o suficiente para torturá-lo daquela forma. E também que esse alguém, por algum motivo que eu desconheço, está à minha espera. Pois bem, eu vou até lá. Eu vou descobrir quem é essa lua e vou acabar com ela. Eu gostaria de agradecer o que vocês fizeram por mim até aqui. Voltem para Fidis. Encontrem o tio Malman. Ele irá pagá-los conforme combinado. Sua jornada acabou. Agora eu devo seguir sozinha.

- Onde você está com a cabeça? Acha mesmo que vamos te deixar aqui sozinha? Com essa lua em seu encalço? Por quem nos toma, mocinha? – respondeu Margarida em voz baixa e firme. – Não, Mona, Carlo era nosso amigo e parceiro. Lutamos lado a lado muitas vezes e todos nós tivemos a vida salva por ele diversas vezes. Eu vou com você até essa lua, seja lá o que ela for. Não é mais uma questão de pagamento. Agora é uma questão de amizade. O Carlo não mentiu quando disse que morreríamos por você ou com você. Estamos nessa juntos. Nem que seja para morrermos juntos.

- Não vamos deixar a senhorita enfrentar sozinha essa coisa. – disse Jeremias, com sua voz gutural.

- Na-não vamos. Nós va-vamos até as ruí-ínas com você. E se for pra a gente mo-mo-morrer, en-então morremos todos ju-juntos.

- Vocês não viram o que aconteceu com o Carlo? O que essa coisa fez com ele? Vocês querem isso?
- E você quer? – replicou Margarida sério.
- Não. Claro que não. Mas não posso simplesmente virar as costas e fugir.
- Pois é, mocinha, nem nós.
- Mas é suicídio.
- Nunca soube que você tinha tendências suicidas. Você tem?
- Não, claro que não!
- Mas quer ir até lá sozinha? Por favor, pare de bancar a mocinha tola. Você sabe que temos um problema a enfrentar, então vamos enfrentá-lo juntos.
- Não sou nenhuma mocinha tola. Estava tentando preservar as vidas de vocês. Mas, se vocês querem seguir comigo, vou partir para as ruínas amanhã de manhã.
- Era essa a respostas que estávamos esperando.
-Sim.
- S-s-sim, senhorita Mo-mona. Va-vamos juntos com-com a senhorita.
- Tudo bem. Então estejam prontos para levantar acampamento amanhã no nascer do sol.
- Ok, chefinha.

Mona deu um sorriso triste para Margarida e se retirou para sua tenda pensando se deveria seguir sozinha ao encontro da maldita lua. Não. Tinha que admitir que se sentia melhor em encarar as ruínas na companhia dos rapazes.
No alvorecer do dia seguinte o acampamento foi desarmado e os quatro remanescentes da expedição partiram em busca das ruínas e da lua viva. Mona e Margarida, ambos com suas armas em punho, seguiam lado a lado na frente do grupo. Nessa manhã Margarida havia trocado a cor de sua roupa. As botas, o chapéu e até mesmo a pluma eram de um negro lustroso, combinando com as calças, o colete e a longa capa. Apenas a bela camisa de mangas bufantes vermelho-sangue contrastava com o negrume total de sua roupa e de seu estado de espírito. Os quatro caminhavam cuidadosamente, sem falar, sem fazer qualquer ruído, espreitando a mata que se fechava em torno deles.
Caminharam por duas horas, sem que nenhum incidente acontecesse. Já começavam a ficar um pouco mais relaxados quando com um estridente piar um animal desceu voando sobre Canjica, as garras em riste, apontadas para o rosto do rapaz. O olhar do predador estava fixo nos olhos de Canjica paralisando-o, o grito agudo como um mau agouro penetrando a mente dos aventureiros como se fosse uma ponta de metal atravessando os seus cérebros, de orelha a orelha. Em uma fração de segundos o animal o atingiu.

O grito de Canjica quando as garras o acertaram fez Mona sair do transe e reagir. Atirando por instinto a moça disparou o explosor na direção da cabeça do animal, que agora estava perigosamente próxima dos olhos do rapaz. O disparo atingiu a cabeça do animal atirando-a para longe de Canjica, fazendo com que o bico se afastasse dos seus olhos. Um outro tiro, disparado por Margarida, acertou a “ave” logo abaixo da asa direita, terminando de matá-la.

Correram para acudir um assustado Canjica, que de tão nervoso havia esquecido de gaguejar.

- Que bicho é esse? Caramba, estou ferido. Eu vou morrer? Estou sangrando muito. Me ajuda gente.
- Calma Canjica deixa O Margarida ver seu ferimento.
- Estou ferido. Que bicho é esse? Eu não consegui reagir.
- Cala a boca, porra!!!
- Eu estou ferido, droga. Não quero morrer igual o Carlo.
- Calma, Canjica. Você só tem um pequeno corte. O sangue é do animal. Fica tranqüilo. Respira fundo e fica tranqüilo. A gente já passou por situação pior que essa.
- Tá bom. Tá. É a gente já passou por cada uma, né Margarida. Vou sair dessa, né?
- Você só tem um talho onde o bicho te acertou. Já estou curando ele. Você vai ficar bem e voltar para sua nave.
- É, só quero voltar para a nave e ir pro espaço. Isso aqui é muito ruim.
- Há, há, há. O susto do Canjica foi tão grande que ele até ta falando direito. – Riu Jeremias com sua voz grave e arrastada.
- Bom, Estamos todos bem? – Perguntou Mona.
- Sim, tudo em ordem.
- Que bicho é esse, alguém sabe?
- Ele se chama Maglur, senhorita. É muito inteligente e habita as florestas de Órion Delta. Não sabia que existiam aqui também. Devemos tomar muito cuidado com eles. São mortais e sabem como atacar.
- Obrigado Jeremias, mais alguma coisa?
- Sim, em Órion eles servem de montaria para algumas tribos de humanos que existem por lá. Se estão aqui pode ser que tenham sido trazidos por humanos.
- Alguém consegue domesticar esses bichos?
- Não, é impossível. Como eu disse antes, eles são muito inteligentes. Eles escolhem se querem ajudar, ou não.
- Hum, Entendi. Bom gente, agora também temos que ficar de olho no céu também.
- Só agora? – Respondeu Margarida, sarcástico. – Minha querida jovenzinha, sempre preste atenção em tudo. No céu, no chão, em cada lado e atrás de cada obstáculo, se você quiser permanecer viva.
-Tá bom, Margarida. Obrigado pelo aviso.
- De nada, queridinha. Você sabe que pode contar comigo.
- Vamos em frente?
- Vamos lá.

Continuaram em frente, rumo às ruínas. Pelos cálculos de Jeremias faltava menos de uma hora de caminhada para atingem a entrada da cidade arruinada. Finalmente, quando faltava pouco mais de uma hora para o meio dia, eles a alcançaram.




A cidade em ruínas era muito mais do que Mona poderia ter imaginado. Cerca de duzentas ou trezentas pequenas construções, a maioria circulares, construídas de pedras e algum tipo de material plástico estavam distribuídas por uma área cercada, divididas por ruas largas e retas, muitas dela já totalmente tomadas pela floresta. Alguns prédios maiores no final do que deveria ter sido uma avenida principal estavam em ótimo estado de conservação. Provavelmente ali ficava a administração da cidade.

Caminhando cuidadosamente pelo meio da grande avenida eles seguiram em direção ao maior dos edifícios, um prédio de dois andares, cercado por belas colunas, que refletiam o céu esverdeado de Fidis, e com paredes largas e decoradas com imagens de homúnculos, muito parecidos com pequenos humanos. Em diversas imagens eles apareciam voando, montados em maglures, atacando patrulhas e naves de humanos. Pelos desenhos dava para imaginar que esses aliens deveriam ter em torno de um metro e vinte ou trinta de altura. Sua principal característica, no entanto, era sua cabeça, bem diferente da cabeça de um humano. As cabeças retratadas nas paredes eram maiores que a cabeça de um humano e eram estranhamente ovaladas. Os olhos eram grandes, sem cavidades e aparentemente sem cílios ou sobrancelhas, mas o olhar era doce e gentil. As bocas bem pequenas, com pequenos dentes pontudos. Não havia nos desenhos quaisquer sinais de orelhas nem de nariz. Apenas pequenos pontos pintados onde deveriam ser as cavidades nasais e auditivas.

O grupo armou o acampamento no hall de entrada do prédio principal e enquanto os rapazes faziam a limpeza e armavam as armadilhas, Mona se dedicou a estudar cada desenho, em busca de pistas sobre aqueles estranhos seres. O que teria destruído uma civilização aparentemente tão avançada e capaz?

Mona e Jeremias passaram a tarde no edifício central, tentando achar uma forma de abrir as pesadas portas de aço que fechavam o prédio. Mona registrou cada detalhe do edifício, estudou os afrescos e as pinturas, tirou amostras do material usado nas paredes e no portal. Por fim se dedicou a decifrar as inscrições que haviam embaixo de cada imagem. Foram necessárias várias horas até que os sinais que estavam impressos na parede começassem a fazer sentido. Trabalharam diligentemente na tradução dos sinais e no meio da noite já haviam traduzido uma boa parte dos textos.

Aproveitando o tempo livre Margarida e Canjica se puseram a explorar o restante da cidade, revistando cada casa em busca de alguma coisa que ajudasse Mona a levá-los logo para longe dali. O silencio do lugar era opressor. Apenas os seus passos eu a respiração arquejante de Canjica eram ouvidos. Da maioria das casas não restava mais que uma ou outra parede em pé. Em algumas nem mesmo paredes existiam, apenas marcas no chão, onde um dia houveram casas, mesas e onde viveram pessoas daquele estranho povo.

A noite começou a cair rapidamente enquanto os dois ainda estavam explorando a região. Sombras se alongavam à sua volta e um vento gelado começou a assobiar em seus ouvidos. Ao longe ouviram o grito agudo de um maglur. Outro grito respondeu não muito longe e começaram a ouvir ruídos muito semelhantes a passos rápidos vindos em sua direção. Num acordo silencioso Margarida e Canjica se voltaram e começaram a fazer o caminho de volta, rumo ao prédio principal.

O som de passos se aproximou rapidamente e os dois puseram- se a correr. Ainda não conseguiam ver seus perseguidores, mas tinham certeza de que eles estavam lá. Mais maglures gritaram, agora bem próximo de suas cabeças. Margarida agarrou a mão de Canjica e o forçou a correr mais e mais rápido. Sem olhar para trás sentiam que projéteis se chocavam no chão perto de seus pés. De longe puderam ver que Mona e Jeremias já estavam a postos, junto ao perímetro do acampamento.

-Corre Canjica. Falta pouco, menino.
- Não to guentando mais.
- Cala a boca e corre, seu bostinha. – Gritou Margarida girando o corpo e atirando contra um agressor que se aproximava do garoto.
- Tá.

Um projétil disparado por Jeremias passou por sobre as suas cabeças e explodiu contra um grupo de alienígenas que estavam bem próximos. Mona disparava rajadas plasmódicas contra as hordas de inimigos que se lançavam contra os dois aventureiros que corriam como loucos na direção do acampamento. Jeremias aguardou a passagem dos dois rapazes e acionou o lança-chamas, disparando um jato de fogo e calor contra os perseguidores, que diante da força daquela fornalha, recuaram desordenadamente. Diversos aliens corriam em chamas iluminando a noite e mostrando aos quatro aventureiros o grande número de invasores que os estavam atacando. Os corpos calcinados de muitos inimigos ficaram jogados ao longo da grande avenida. Um odor repugnante de carne e plástico queimados tomou conta do ar mas, felizmente, não houve um novo ataque naquela noite.

No dia seguinte todos os corpos haviam desaparecido. Exceto por um chamuscado aqui ou ali, não haviam vestígios de que na noite anterior havia sido travada uma batalha naquelas ruas. De armas em punho Jeremias e Margarida fizeram uma nova exploração das ruas da cidade em ruínas, mas nada encontraram.

Mona passou o dia decifrando os textos e analisando o material encontrado. Queria descobrir como abrir a porta do templo da lua. Pelos textos já decifrados ela havia descoberto que aquele templo era devotado à principal deusa dos alienígenas e que ali eles se reuniam para todo tipo de ritual. Se penetrasse no templo, Mona poderia descobrir mais sobre a origem dos Hurrus. Esse era o nome com que eles se referiam a si mesmos. Era incrível que ainda existissem tantos deles vivos e ninguém soubesse nada sobre sua existência. Agora sua principal tarefa era descobrir o máximo possível sobre aquele povo e voltar para a universidade. A noite já começava a cair novamente quando ela decifrou o mecanismo para abertura do templo. Depois de uma pequena discussão decidiram aguardar o dia seguinte antes de explorá-lo. A noite poderia trazer um novo ataque Hurru e eles precisavam estar preparados.

Mona acordou com um toque suave em seu rosto. À sua frente estava uma jovem alienígena, os grandes olhos azuis pousados fixamente nos seus olhos. Por algum motivo a moça não sentiu medo. Havia naquele olhar tal doçura e gentileza que a fizeram ter confiança, mesmo sabendo o que havia acontecido com os outros que já haviam tido contato com os Hurrus. Mesmo sabendo o que havia acontecido a Carlo. A jovem falou com uma voz suave e límpida, musical. Falava em galáctico padrão.

- Levante-se, por favor. Não vamos te machucar, pode confiar em mim. Você e seus amigos estão a salvo conosco.
- Quem é você?
- Meu nome é Kudria. Sou uma amiga. Por favor, venha comigo.

Sem pensar duas vezes Mona levantou-se e seguiu Kudria para fora de sua tenda. Do lado de fora estavam cerca de oitenta hurrus e entre eles Margarida, Canjica e Jeremias, todos sem nenhum ferimento aparente. Olhando bem para eles Mona reparou que esses hurrus eram diferentes dos que estavam pintados nas paredes do templo. Eram mais altos, quase de sua altura, tinham a pele mais clara e os olhos eram bem menores que os pintados. Eram muito parecidos com os humanos.

Kudria lançou um olhar divertido para Mona e disse.

- Você deve estar estranhando que somos diferentes dos hurrus que estão pintados no templo da lua, não é?
- Sim, Eu estava pensando exatamente nisso. Vocês não são hurrus?
- Sim, e não. – respondeu Kudria enigmaticamente. – venham comigo e vocês entenderão.
- O que vai acontecer conosco? Vocês vão nos torturar, como fizeram com o Carlo? – perguntou Jeremias, com voz calma.
Kundria o olhou com tristeza antes de responder.
- Não fomos nós que o matamos, mas temos nossa parcela de culpa, não posso negar. Venham conosco. Vocês não têm nada a temer. Venham e ouçam o que temos a dizer.
- E-e se a-a-a g-gente n-não qui-quiser ir?
- Por favor, não tentem fugir. Venham conosco. Não vamos lhes fazer mal. – respondeu Kudria com um leve tom de urgência na voz.

Os quatro se olharam ansiosos, não havia dúvida de que eram prisioneiros, apesar da gentileza com que eram tratados e que os hurrus não hesitariam em matá-los se tentassem se evadir. Margarida então tomou a dianteira, deu um braço para a hurru que estava ao seu lado e falou com um sorriso.

- Que nada Kudrinha, você é tão gentil, vamos com você. – E virando-se para a hurru que estava com os braços entre o seu disse - Sabe? Você devia tentar usar uma roupa mais voltada pro azul. Ia ficar liiindo com seus olhos, sabia? Qual seu nome?

E tagarelando ao lado da jovem hurru Margarida seguiu Kudria, Mona e os outros para dentro do Templo da Lua.

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