quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mona - Capítulo 2 - pt 2


Saíram de Fidis no final da tarde, com a esperança de conseguir avançar pelo menos uma centena de quilômetros nesse final de tarde. O transporte era nada menos que uma antiga nave de batalha que havia sido adaptada para circular a rés do solo. Era grande o Bastante para possuir cabines individuais para os membros da equipe e uma grande sala de reunião próxima à cabine de comando. A nave se movia sobre um conjunto de jatos em sua barriga, que a mantinham sempre a cerca de um metro do solo.

Pela escotilha de sua cabine Simone observava a paisagem inóspita do planeta Fidis. Ela se perguntava como seria esse povo alienígena que viveu nesse planeta, sob condições tão difíceis. O cenário era um tanto apocalíptico, seco e estéril. Poucas arvores esparsas eram vistas à distancia, sempre com uma aparência ressecada e envelhecida. Depois de algumas horas de viagem chegaram a um imenso platô, cortado por grandes cânions calcários, de uma beleza surpreendente, avermelhada. A jovem abriu a janela e deixou o ar quente do final de tarde soprar seus cabelos e aquecer seu rosto. Sentiu-se pequena e insignificante diante daquela vastidão. Nem no espaço havia se sentido tão minúscula.

O veículo parou. Ao longe ouviu Carlo ordenar que armassem acampamento. Iriam passar a noite ali.

Mona desceu do veículo, ajudou Jeremias a preparar o jantar e depois de comer algo se afastou sozinha até a beirada de um precipício, onde ficou olhando o horizonte, perdida em seus pensamentos. O vento agora mais fresco da noite. O céu havia se tingido de lilás antes de escurecer totalmente. Muitas estrelas brilhavam no céu e as três pequenas luas de Fidis, Gorgéa a branca, Marcear a Vermelha e Furio a negra, estavam visíveis e brilhavam logo acima de sua cabeça. A voz forte e melodiosa de Carlo soou ao seu lado.

- Sempre que olho para esses cânions me sinto como se eu não fosse mais que um pequeno grão de areia.
- É como eu estou me sentindo agora. É tão vasto. E tão belo. – respondeu com voz embargada.
- Sim. Mas não se deixe enganar pela sua beleza. Esses cânions são cruéis e sanguinários. Muitos homens morreram em sua travessia. Dentro deles a morte é o seu maior parceiro. Lembre-se de que a beleza pode ser mortal, porque diante dela nós nos desarmamos e nunca acreditamos que algo tão belo e tão puro possa trazer dentro de si uma armadilha. Esses cânions são assim. Se você os penetrar com o espírito desarmado eles vão te engolir.
Carlo então olhou para o céu e disse, sem se voltar.
- Você sabe por que as luas de Fidis têm esses nomes?
- Não.
- Essa história é muito antiga, da época em que se começou a terraformação do planeta. Conta-se que um cientista se mudou para Fidis e trouxe consigo suas duas filhas Gorgéa e Marcear. Ambas eram belíssimas. Gorgéa, a branca, tinha a pele da cor da porcelana. Seus cabelos eram negros, os seus lábios eram pequenos e delicados, seu rosto lembrava o de um anjo. Era meiga, doce e sensível. E amava a irmã mais do que tudo na vida. Marcear tinha uma beleza diferente. Ela era muito alta, seus olhos eram muito azuis e seus cabelos eram vermelhos e revoltosos. Sua beleza perdeu muitos homens que a amavam e por ela eram desprezados. Mas apesar de toda a força que havia dentro dela, havia uma coisa que a derrubava. O amor incondicional que ela tinha pela irmã mais nova.
- Furio era um oficial da corporação que se encantou com a beleza forte de Marcear. Ele não era um homem propriamente bonito, mas era destemido e determinado. Ele passou mais de um ano a cortejando, tentando provar a ela até onde ia a força de seu amor. Finalmente a moça lhe deu uma chance, e ele a agarrou como um faminto em frente a um prato de comida. Ele se declarou em uma tarde clara e sem nuvens. Ela ficou tão embevecida com a força daquele amor que de repente percebeu o quanto gostava dele e que queria ficar com Furio.
- A doce Gorgéa ficou feliz por ver a felicidade da irmã e fez de tudo para ajudá-los. Furio, no entanto, não estava à altura daquela mulher. Ele era tolo, arrogante e fútil. Depois de conquistá-la ele perdeu o interesse por Marcear e passou a cortejar Gorgéa que se sentiu repugnada e revoltada com a traição à sua irmã. Uma tarde, após mais uma tentativa de Furio de conquistá-la, ela o confrontou perante a irmã. O rapaz então, para impedir que ela continuasse, a agrediu com um empurrão que a jogou longe. Marcear, tomada de ódio por ele haver machucado sua irmã pegou um arma e o matou.
- E o que aconteceu depois?
- Naquela época o assassinato era punido com a morte. Ainda mais o assassinato de um oficial da corporação. As duas irmãs se abraçaram e choraram pois sabiam que Marcear estava condenada. Elas então saíram de casa e fugiram para esse cânion. Aqui, no alto do penhasco das irmãs da lua, o mais alto de todos, elas se abraçaram e de mãos dadas saltaram para a morte. A lenda diz que elas nunca chegaram a tocar o solo. Que no momento em que elas saltaram a lua de Fidis explodiu em três e que as irmãs foram levadas para habitá-las. Repare que Gorgéa e Marcear estão sempre juntas. Por qualquer ângulo que você olhe para o céu elas estão unidas e que Furio nunca consegue se aproximar delas.
- Sim, é verdade.
- Furio está condenado a sempre buscá-las e nunca alcançá-las. – O amor é um sentimento muito forte. Pode-se matar ou morrer por amor. Não se deve brincar com ele. Ele sabe como revidar. – finalizou Carlo mais para si mesmo que pra mona. Depois olhou para a moça e disse em voz calma.
- Bom, acho melhor você entrar e ir dormir. Amanhã será um longo dia.

Mona permaneceu na beira do precipício mais algum tempo, pensando na história das irmãs lua e em sua própria história. De repente se deu conta que na verdade nunca havia amado ninguém. E se sentiu ainda menor.

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No dia seguinte, logo cedo, começaram a se preparar para descer para o fundo do cânion. Grandes mochilas fora preparadas, armas checadas e equipamentos medidos. Ao ver toda essa preparação Mona virou-se para Carlo e perguntou.

- Vamos à pé?
- Sim, o transporte não pode descer até o fundo do cânion, e mesmo que pudesse não há espaço para ele manobrar lá embaixo. É mais seguro que ele fique aqui.
- E as ruínas ficam muito longe?
- Elas ficam no fundo do cânion, a dois dias de caminhada. Numa das regiões mais perigosas de Fidis. Mas como você quer ir até lá, nós te acompanharemos.
- Obrigada.
- Não me agradeça. Estou sendo pago para isso. – respondeu Carlo com um sorriso antes de afastar-se e deixá-la só.

- Ai amor, não liga não. O Carlo é assim, meio secão, mas ele gosta de você, sabe? Não tanto quanto ele gosta de mim, mas um pouquinho ele gosta, hahaha – disse Margarida, que de repente havia surgido ao seu lado.
- Vamos menina, mexa essa bundinha linda. Me ajuda aqui. Sabe, sua mochila é a menor de todas. Isso é discriminação.
- Mas eu não pedi uma menor! - Disse Mona rapidamente.
- Eu sei, mas os rapazes acharam melhor. Acho que eles querem te agradar.
- Uhmmm
- Margarida! Para de falar besteira e anda. Senhorita, vamos logo. – gritou Carlo da borda do precipício.
- Aiii Carlo, precisa ser tão grosso? Já vou, já vou.
- Margarida, pega logo essa corda e desce. Que droga.
- Ai, me pede assim de novo!
- Anda. Porra!!!!
- Ai, gamei...

E passando as pernas pela borda da pedra, segurou a escada de corda e iniciou a descida do paredão de granito que era essa parte do cânion. Assim que sua cabeça desapareceu, precipício abaixo, Carlo virou-se para Mona e ordenou que ela o seguisse. Tremendo de medo Simone segurou a escada de corda e olhou para o fundo do cânion, a mais de quatrocentos metros abaixo. Carlo a olhou com ar interrogativo e, temendo parecer fraca, ela se lançou no ar, segura apenas por uma pequena corda, que para ela parecia muito fina para agüentar o peso de todos aqueles homens e seus materiais. A descida foi lenta e demorada. O vento sacudia seu corpo e a jogava contra o paredão de pedra. Seus cabelos chicoteavam seu rosto com força. Suas mãos ficaram suadas e dormentes. Por alguns instantes ela fixou o olhar no fundo do cânion e de repente viu tudo rodar. Do alto ouviu a voz de Carlo gritando.

- Não olhe para baixo! Não olhe para baixo! Fixe o olhar na corda! Olhe para o nó!

Ela tentou olhar fixo para o nó da corda, que servia como degrau. Respirou fundo e tentou se acalmar. A tontura passou e foi possível continuar a descer. Degrau a degrau. Nó a nó. Horas se passaram até que o fundo ficasse visível e próximo. Agora já não era mais apenas as mãos que estavam dormentes, mas todos os seus membros. O peito arquejava e o ar parecia que queimava nos seus pulmões. Pensou que ainda não devia estar totalmente cicatrizado da perfuração. O que estava fazendo ali?

Mais abaixo Margarida cantava uma canção de cabaré, dando grandes agudos e fazendo o acompanhamento com a boca. A calma dele era desesperadora.

Finalmente chegaram ao fundo. Ao pisar no solo Mona desabou, sem conseguir firmar as pernas. Arrastou-se até uma pedra grande e sentou para descansar enquanto Margarida fazia o reconhecimento do terreno e reclamava da qualidade do laquê que não tinha segurado seus cabelos. Por um instante Mona teve vontade de gritar para ele que podiam ter morrido nessa descida, mas suas forças não lhe permitiam sequer articular uma palavra quiçá um grito.

Os outros acabaram de descer e se prepararam para continuar a caminhada, seguindo o curso do que um dia deve ter sido o leito de um grande rio. Canjica se aproximou e lhe ofereceu sem jeito uma pastilha de adrenóide, para ajudá-la a recuperar as forças. As dores de Mona passaram rapidamente e ela conseguiu se por de pé.

Seguiram pelo leito rochoso, caminhando tranquilamente mas, Mona reparou, todos os homens estavam com suas armas empunhadas e engatilhadas. Por via das dúvidas sacou também suas pistolas e as armou. Carlo lhe fez um aceno de aprovação. O fundo do cânion era pontilhado de pedras soltas e erodidas pelo vento constante, mesmo no fundo daquele imenso corredor. Pequenos seixos arredondados e lisos cobriam o chão. De vez em quando encontravam grandes blocos de pedra, sob os quais pequenos animais se entocavam e os espiavam passar em silencio profundo. Os imensos paredões de pedra reduziam a entrada da luz na maior parte do dia e logo estava escuro demais para prosseguirem. Acharam uma grande pedra sob a qual armaram suas barracas e fizeram uma pequena fogueira para se aquecer e proteger. Até ali haviam caminhado bem e sem quaisquer incidentes. Simone estava animada e confiante de que chegariam sem problemas ao sítio onde o fóssil foi achado no dia seguinte ou, no mais tardar, no próximo.

Sentados à volta da fogueira os seis expedicionários relaxaram e conversaram entre si. E essa falta de atenção lhes foi fatal.

O primeiro a perceber que algo estranho estava acontecendo foi Tin Huan, que de um salto levantou-se e fitou o olhar na escuridão à frente. Antes que pudesse dar o alarme o velho soldado foi atingido por garras, de um branco leitoso, que surgiram do meio da noite e o jogaram contra o chão, desnorteado e indefeso. O sangue logo cobriu seu peito, escorrendo dos profundos ferimentos. Antes que os demais tivessem se recobrado do susto o corpo alongado do animal entrou no perímetro do acampamento. Era grande o suficiente para arrastar um homem sem fazer esforço. Seus dois olhos sem pálpebras se fixaram em Carlo e, em seguida em Simone, como se ele estivesse escolhendo qual seria sua próxima vítima. Seus fortes membros traseiros se encolheram antes que, num salto, se lançasse sobre a jovem derrubando-a. Um cheiro adocicado invadiu suas narinas enquanto o animal se curvava sobre seu rosto, com as mandíbulas abertas e uma fileira de dentes brancos e afiados à mostra. Ela girou o corpo, tentando livrar-se daquele beijo fatal, mas o animal a mantinha bem presa ao chão. Num gesto de desespero puxou a arma e atirou. O tiro passou distante do animal, mas o som o assustou por tempo o suficiente para que Carlo jogasse seu próprio corpo contra o animal, deslocando-o e permitindo que Mona se libertasse.

Margarida e Jeremias descarregaram suas armas contra o animal, sem muito resultado além de enfurecer a fera. As grossas placas de sua carapaça defletiram as balas impedindo-as de atingir qualquer porção realmente vulnerável de seu corpo. Simone sacou suas próprias armas e mirou nos olhos do animal. Estava tão nervosa que mal conseguia mirar. Atirou no olho esquerdo, tentando ao menos feri-la um pouco. O tiro passou longe do olho, mas por um golpe de sorte acertou um ponto vulnerável logo abaixo do pescoço. O animal urrou de dor e raiva e voltou-se novamente contra Mona.

Canjica saltou contra a carapaça, munido de um punhal e de mais coragem que jamais tivera em toda sua vida, e enfiou a lâmina em um ponto macio de carne, logo abaixo da cabeça. O animal rodopiou e tentou abocanhá-lo.

Nessa hora Carlo e Jeremias, um de cada lado, miraram diretamente a cabeça draconiana do animal e dispararam sem piedade, crivando-o de projéteis. O estranho ser tentou avançar contra Carlo, mas já estava no final de suas forças.

Finalmente seu corpo caiu inerte, banhado em um espesso e viscoso líquido esverdeado e mal cheiroso.

A alguns metros de distancia estava o corpo, já sem vida de Tin Huan Yo. A expedição, que para Mona havia começado tão bem, agora se mostrava amarga e sem sentido. Olhando para o corpo envelhecido e sofrido daquele homem Simone começou a perceber o lado obscuro das aventuras. Nem tudo era divertido, glamoroso e emocionante. O que mais teria que aprender antes do fim de sua jornada.

As lágrimas rolavam pelo seu rosto.

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