quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mona - Capítulo 2 - pt 1

FIDIS

Um ruído contínuo a fez recobrar a consciência. Não se lembrava do que havia acontecido no final da viagem. Ainda de olhos fechados tentou captar um pouco do ambiente onde se encontrava. Estava deitada em uma grande cama, coberta com um grosso cobertor de lã. Havia sido despida e estava com algum tipo de camisola, sem nada por baixo. Ao longe era possível divisar o som de passos e de vozes mas por mais que tentasse, não conseguia compreender o que era dito. Uma coisa ela tinha certeza, não estava mais em sua nave.

Cautelosamente abriu os olhos e esquadrinhou o local. O quarto era grande e impecavelmente limpo. Encostada em uma das paredes havia uma velha cômoda, em cima da qual estava sua roupa de viagem, a capa e, viu horrorizada, sua roupa de baixo. Tudo aparentemente limpo e cuidadosamente dobrado. Ao lado da cômoda havia uma velha cadeira plástica, embaixo da qual estavam suas botas. Procurou pelas armas que passara a portar desde o início da viagem, mas não as viu em nenhum lugar.

Na parede oposta uma grande janela ladeada por grossas cortinas, lhe permitia enxergar um céu límpido e sem nuvens. Por alguns instantes estranhou sua cor levemente esverdeada, mas ela sabia que isso era algo normal em planetas com pouco tempo de terra-formação. Fidis não terminara o processo e ainda possuía grandes áreas inóspitas e pouco hospitaleiras. Apenas a região central, onde ficava a capital do planeta, que tinha o seu nome, era totalmente compatível comas necessidades humanas.

Após alguns instantes ela tentou levantar-se, mas uma forte tontura a jogou de volta à cama. Sentiu dores por todo o corpo. Aparentemente não estava ferida, mas tinha a sensação de que havia caído do alto de um prédio. Com medo do que poderia encontrar foi aos poucos apalpando seus membros e passando as mãos pelo corpo, procurando ferimentos. Respirou aliviada ao perceber que estava inteira. No entanto, apesar do alívio, continuava intrigada com sua situação atual.

Lembrava-se de ter solicitado autorização para entrada no espaço aéreo de Fidis e de ter iniciado o procedimento de descida, mas a partir daí não se lembrava de nada mais. Nem de ter aterrissado a sua nave.

O som de passos chamou sua atenção. A porta foi silenciosamente aberta e por ela entrou um homem alto, magro e ligeiramente calvo. Ao vê-la acordada deu um sorriso e falou com voz grave e ligeiramente rouca.

- Ah minha querida, finalmente acordou. Como está se sentindo?
- Quem é você? Onde estou?
- Calma, por favor. Fique calma, você não deve ficar excitada. Meu nome é dr. Serian Rudh, sou o médico da base aérea de Fidis, onde você pousou. Ou pelo menos tentou pousar.
- O que aconteceu? Não me lembro de nada.
- Aparentemente você desmaiou pouco antes da aterrissagem. O sistema automático de segurança finalizou o procedimento de aterrissagem, mas você deve saber como esses sistemas são, sua nave sofreu algumas avarias, mas nada de muito sério. No choque com o solo você foi arremessada por cima do painel de controle e atingiu os painéis de visualização externa. Você não estava usando o sistema amarração. Você tem três costelas quebradas, um pulmão perfurado, algumas luxações pelo corpo e um grande hematoma no ombro esquerdo mas, no geral, acho que ficará bem.
- Há quantos dias estou aqui?
- Três dias completos. Já estávamos preocupados.
- O senhor não me disse onde estou, disse?
- Essa é a residência do senhor Malman Vrier. Ele disse que era um amigo seu, e estava à sua espera na base.
- Malman? Onde ele está? Tentei falar com ele várias vezes, mas nunca conseguia contato.
- O senhor Malman está na sala, aguardando você acordar. Ele tem estado aqui todo o tempo. Por algum motivo que me escapa, ele parece achar que tem alguma culpa pelo seu acidente.
- Ai, pobre Malman.
- Bom, deixe-me examiná-la e depois volte a deitar. Você deverá ficar de repouso por no mínimo vinte dias.
- Vinte dias? O senhor deve estar brincando. Não viajei mais de seis meses para ficar deitada numa cama por vinte dias.
- Bom, senhorita, não há nada que você possa fazer com relação a isso. Não te darei alta antes desse prazo e sem minha autorização você não poderá passar da porta dessa casa, portanto acalme-se e descanse. Vou lhe dar um remédio para dormir e você deverá descansar mais um pouco.
- Doutor, o senhor sabe por que eu desmaiei?
- Exaustão. Você estava no limite de suas forças quando chegou aqui. Pelas marcas em sua nave acreditamos que você tenha passado por alguns maus momentos ao longo da viagem e que você estava em um estado grande de estresse. Seja como for, agora está tudo bem, você está em segurança. Por favor, tente dormir.
- Obrigado, doutor.

Os dias seguintes passaram lentamente. Todas as manhãs o velho Malman vinha para vê-la e passar algumas horas ao seu lado. Apesar da idade avançada ele ainda mantinha a postura ereta de ex-oficial da corporação e uma posição de destaque na sociedade de Fidis, onde atuava como o principal elo entre os mineradores do planeta e os comerciantes da confederação, o que, pensava Mona, lhe seria muito útil quando finalmente pudesse sair da cama e começar a sua aventura. Os dois aproveitaram o repouso forçado de Mona para discutir a expedição às antigas ruínas onde o fóssil foi encontrado.

Malman confirmou as suspeitas de que o alienígena provavelmente era dotado de uma inteligência superior. Objetos, construções e inscrições foram vistos no local. Nada se sabia sobre essas criaturas, apenas que não existiam mais, há pelo menos dois mil anos. Seguindo as instruções de Mona, Malman organizou a expedição, contratou pessoal de apoio, comprou os suprimentos necessários e obteve junto ao governo de Fidis a autorização necessária para a exploração do local. De onde estava Mona se comunicou com a Universidade de Luyten e conseguiu, finalmente, apoio para sua pesquisa. Afinal já que ela se encontrava mesmo por lá não custava à universidade dar-lhe uma ajuda. Os créditos necessários para financiar sua expedição foram depositados em sua conta.

Finalmente os malditos vinte dias chegaram ao fim. Mona saiu pela primeira vez para o exterior da casa e deparou-se com uma versão maior da sua aldeia de Nhagha. A cidade era um amontoado de pequenas construções esparsas, mal cuidadas e sujas. Um vento quente varria o lugar, trazendo um cheiro azedo de suor e de carne podre, que a fizeram torcer o nariz e desejar estar de volta a Luyten. Alguns soldados faziam exercícios com armas mais ao longe.

Uns poucos homens, vestidos com uma espécie de manto de tecido cru e amarrado na cintura por uma corda, estavam recostados indolentemente junto à entrada de um prédio de aspecto especialmente decrépito. O brilho verde do céu deixava a todos com uma aparência doentia, como se todos na cidade estivessem com dor de barriga. Esse pensamento ridículo a fez sorrir e lhe deu coragem para enfrentar o mundo exterior. Saiu caminhando pela rua, seguindo a direção que Malman lhe indicara. Os homens a seguiam com o olhar, como animais famintos que quisessem devorá-la viva. Foi quando percebeu o que estava lhe incomodando desde que pusera os pés na rua. Não havia mulheres, ou crianças, à vista.

Discretamente ela verificou o estado das armas, que lhe haviam sido devolvidas e que agora pendiam molemente em seu cinto. Saber que estavam ali a fez sentir-se mais confiante e segura. Tentou ignorar os olhares e seguiu rumo ao armazém central, onde encontraria os homens que haviam sido contratados para escoltá-la até as ruínas. Uma vez lá, eles deveriam protegê-la e depois trazê-la de volta para Fidis.

Ao chegar no armazém foi recebida por um rapaz que depois de confirmar sua identidade a acompanhou até os fundos do galpão, onde alguns homens a esperavam. Era uma das mais estranhas coleções de homens que ela jamais vira em toda sua vida. Por um instante pensou em desistir de tudo, voltar para a casa de Malman e dormir para esquecer a coisa toda. A muito custo conseguiu se controlar e seguir em frente. Sabia que esses homens tinham sido escolhidos pessoalmente por Malman e que deveriam ser os melhores. Chegou mais próximo e os examinou um a um.

Carlo Herrera era o primeiro. Muito alto, forte como um touro. Sua pele negra reluzia sob a luz branca dos refletores do armazém. Cada um dos músculos de seus braços estavam delineados sob a camisa fina que ele usava. Uma grossa cicatriz em forma de cruz cobria seu antebraço esquerdo. Seus olhos eram negros como sua pele e não apresentavam qualquer emoção. Um sorriso desdenhoso lhe entreabria os lábios grossos. Por um momento a jovem sentiu medo, mas em seguida o homem falou, e sua voz era tranqüila, forte e melodiosa. Não havia maldade nela.

- Carlo Herrera se apresentando senhora. Serei o líder da nossa equipe e o responsável pela sua segurança. Espero que entenda que durante o período em que estará sob meus cuidados terá que obedecer às minhas ordens e fazer exatamente o que eu mandar.

- Sob a pena?

- Sob a pena de ser abandonada à própria sorte, onde estiver.

- Uhmm, e que garantias você me dá de que não me fará algum mal?

- Essa garantia eu é quem dou– disse Malman, que vinha chegando. – Estes são meus melhores homens e tenho plena confiança em cada um deles. Carlo é um dos melhores soldados de Fidis. Já trabalha comigo há vários anos. Você pode confiar plenamente nele.

- Malman, que bom vê-lo. Bom, se você diz isso. – e voltando-se para Carlo, que a observava, disse. – Tudo bem. Acatarei às suas ordens.

- Ótimo. Os outros são; O velho de barbicha e olhos puxados é o Tin Huan Yo. É navegador, artilheiro e mortal numa luta sem armas. O garoto é o Canjica. Nunca soube o nome dele, mas você pode chamar ele assim mesmo. Ele é piloto. Sabe como comandar uma nave e será capaz de guiar o veículo que vamos usar para ir até as ruínas. Não atira muito bem, portanto não fique perto dele em uma luta. Você pode tomar um tiro amigo. O magrelo chama-se Ali Hamah Syd, mas você pode chamar ele de Margarida. Tome cuidado com ele, porque provavelmente ele tentará te mostrar o show de transformista que fazia em Ruh. Por favor, não aceite. Ninguém mais agüenta ver o Margarida vestido de flor e cantando. Se você aceitar o show eu serei obrigado a cancelar a viagem.

- Porra Carlo, você sabe que meu show já fez muito sucesso em Andrômeda. – reclamou Margarida com voz fina e afeminada.

- Andrômeda só tem viado. Tinha mesmo que fazer sucesso por lá. – respondeu Carlo sem se abalar. E voltando-se para Mona continuou – Apesar desse pequeno problema o Margarida é um dos nossos melhores soldados. Ele estará encarregado pela sua segurança pessoal. Nunca se afaste demais sem a presença dele, entendeu?

Tentando conter o riso Mona disse – Tudo bem, entendi.

- E por último o branquelo ali é o Jeremias. Ele é especialista em arrombar qualquer tipo de porta ou fechadura e também é nosso armeiro. Ele pode explodir qualquer coisa que você quiser. Só tem um problema. Ele tem sérias tendências incendiárias. Se o vir mexendo com alguma coisa que possa explodir não pense duas vezes, corra.

- Tudo bem, pode deixar – respondeu. - Quando vamos partir?

- Agora...


---------------------------- * ----------------------------

O agora de Carlo demorou cerca de quatro horas para acontecer. Foi necessário enviar um grupo até o espaço-porto para trazer os objetos de Mona que ainda estavam na sua nave. Canjica supervisionou a armazenagem dos suprimentos e dos materiais no porão do veículo que usariam. Carlo e Jeremias se encarregaram dos armamentos e munições. Pareceu a Mona que eles esperavam uma verdadeira batalha campal, tamanha a quantidade de munições que foram compradas. Tin Huan se trancou em uma das cabines e ficou traçando as melhores rotas para chegarem às ruínas, traçando planos de chegada e fuga, e coisas do gênero. Pareceu a Mona que eles iam fazer uma expedição militar, e não apenas uma pesquisa científica. Todos esses preparativo lhe pareceram extremamente exagerados mas Malman lhe pediu para que não interferisse. Essa era a forma que eles sabiam trabalhar e era melhor pecar pelo excesso que pela falta. Enquanto os demais preparavam a viagem Margarida se encarregou de localizar Mona dentro do grupo.

- Margarida, você poderia me dar um pouco mais de informações sobre os rapazes? Pra eu não falar nada de errado perto deles. Você entende, Né?

- Ai meu amor, e como entendo, sabe. Eu mesmo vivo cometendo essas gafes horríveis com meus meninos. Mas eles sempre me perdoam. Você como é novata e ainda não é tão amada por eles como eu, faz muito bem em perguntar, sabe? Olha eles são bons rapazes, alguns são meio esquisitos mas são todos muito bons. Bom, deixa eu ver, por quem você quer que eu comece?

- Bom, acho que é melhor pelo Carlo, não é?

- Ahhh, o deus de ébano. Desgraçado, não quer nada comigo sabe? Eu bem que tento, mas ele não me dá a menor bola. O Carlo foi oficial da corporação por muitos anos. É um soldado como poucos, mas parece que ele era meio esquentado quando jovem e ele matou um soldado numa briga, coisa de garotos metidos a machos, sabe? Esse negócio de ficar se provocando em bar, e mexer com a mulher do outro, como se mulher valesse a pena, não estou falando de você é claro, mas. Onde eu estava mesmo? Ah, lembrei. Aí ele foi preso e depois de uns tempos ele foi expulso da corporação. Ele ficou revoltado e se aliou aos piratas. Aquela cicatriz super sexy que ele tem no braço é dessa época. Só que ele não gostou do jeito que eles faziam as coisas e saiu. Ele até hoje tem a cabeça a prêmio entre os piratas. Depois disso ele veio para Fidis e passou a trabalhar para o Sr. Malman.
- Uau, e ele é bom?

- O Carlo? Ele é o melhor. Só isso.

- E o Tin Huan?

- Ahh esse é outro que foi destruído por uma mulher. Ele é Arturiano, sabe? Bom, dá para ver na cara dele. Lá em Arturia é todo mundo parecido com ele, de olho puxado, cara amassada e cabelo preto, uma coisa das mais sem graça que já vi, se quer saber. Bom, pelo que eu sei ele amou muito uma mulher lá do planeta dele e ela o desprezou. Ele pediu ela em casamento e ela riu na cara dele, porque achava que ele era fraco. Para provar a ela que era forte ele desafiou o irmão dela e o matou na frente da moça. O pai dela, que era grandão lá em Arturia, mandou chicotear ele até a morte, mas ele se recusou a morrer. Ele apanhou tanto que ficou sem pele nas costas, mas ele não se dobrou. No final o próprio executor ficou impressionado e parou de bater. Daí, ele falou para o pai que o Tin estava morto, tirou ele da casa do figurão e o levou para a própria casa. Depois que o Tin Huan estava melhor o cara mandou ele fugir do planeta e assim o Tin Huan veio parar em Fidis. Posso te dar uma dica sobre ele?
- Claro.

- O Tin Huan é um bom homem, mas ele tem muita raiva das mulheres por causa de tudo o que ele passou. Não tente se aproximar demais dele.

- Uhmm, tudo bem. Vou me lembrar disso.

- Bom, o próximo é o Canjica. Ahh, um doce de menino. Tímido como poucos mas um excelente piloto. Já salvou a vida de todos nós pelo menos uma dúzia de vezes.
- E porque ele veio parar em Fidis?
- Bom, ele não passou para a escola de pilotos da corporação. Ele é dois centímetros mais baixo que o mínimo exigido, uma tolice. Só que ele queria ser piloto a qualquer custo e para provar que ele era bom adivinha o que o garoto fez?

- Nem quero imaginar – respondeu Mona rindo.
- Ahh minha querida você não conseguiria imaginar mesmo, hahaha

- Ele roubou uma nave da confederação e começou a provocar todos os policiais do setor que ele estava. Só sei que lá pelas tantas tinha mais de dez naves correndo atrás dele, hahahahaha.

- Segundo dizem parecia brincadeira de seguir o líder. Para onde ele ia iam as naves todas atrás. Só que teve uma hora em que ele se distraiu e quando viu estava em cima de uma estação. Ele ejetou, mas a nave se espatifou em cima da estação. Fez um estrago danado. Os caras, que já estavam fulos com ele por fazer todo mundo de palhaço, o prenderam e surraram tanto que ele ficou meio pancada das idéias. Depois ele ficou uns seis meses preso e quando saiu ele não sabia muito bem o que fazer. Alguém falou para ele que precisavam de pilotos em Fidis e ele veio bater aqui um dia. O Sr. Malman empregou ele.

- Nossa. Bom, pelo menos esse não tem nada contra as mulheres. – comentou Mona.

- Hahaha, eu acho que ele nem sabe o que fazer com uma mulher. O coitado é tão tímido que se você tentar conversar com ele é capaz de ele se esconder embaixo da mesa.

- Puxa, estou mal parada.
- Que nada meu amor. Pode crer que não tem grupo melhor para te proteger.

- E o Jeremias?

- Esse eu acho que você pode imaginar o que fez, Né?

- Ele explodiu alguma coisa?

- Bingo!!! O Jeremias simplesmente tacou fogo na sede do parlamento de Altair. E com todos os deputados dentro, hahahaha

- Até hoje ele é procurado como inimigo público numero um do planeta. Mas é um bom rapaz.

- E você?

- Ah, sobre mim você não vai ficar sabendo nada. Que está pensando, que eu saio abrindo minha vida assim para qualquer sirigaita que aparece? Não meu amor, euzinho não. – Disse margarida com uma piscadela.

E assim Mona ficou sabendo um pouco mais sobre a estranha equipe que ia levá-la até as ruínas.

Nenhum comentário: