quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mona - Capítulo 1 - pt 2


O ar tremulava levemente em virtude do calor opressivo daquela tarde de verão. Sentada em sua mesa de trabalho Mona observava os poucos alunos que ainda permaneciam no laboratório de datação da universidade de Luyten. Estivera ali todo o dia, estudando um espécime que lhe fora enviado por um conhecido de Fidis, no sistema estelar de Vega, a mais de vinte mil anos luz de Alfa-Centauri. Havia uma grande chance de o fóssil de ser de um animal alienígena com alguns milhões de anos, e ela não tinha autorização para ir até o local onde fora descoberto para verificar a sua autenticidade. Era desesperador.

O problema é que Fidis ficava no ponto habitado por humanos mais extremo do universo, onde imperava a lei do mais forte e da pirataria. Os riscos de uma viagem até tal lugar seriam enormes. A administração da escola nunca aprovaria uma expedição como essa. O que fazer? Decidida a empreender a viagem de qualquer forma Mona se muniu de toda a paciência que possuía e seguiu para a sala do doutor Ambrósio, o diretor de pesquisas. Ele sempre foi muito gentil e talvez ela pudesse dobrá-lo. Não custava nada tentar. Antes de entrar na sala do diretor, Mona armou seu mais lindo sorriso e se fez anunciar. A conversa não foi tão tranqüila quanto ela poderia desejar.

- Mona, minha aluna preferida, que bom vê-la. O que posso fazer por você?

- Olá professor, tudo bom com o senhor? Faz muito tempo que não venho visitá-lo, por isso resolvi dar uma passada aqui para te ver. - respondeu a moça com um sorriso angelical. O professor arqueou as sombrancelhas e a olhou com ar de desconfiança.

- Minha querida Simone Lindor, nos últimos sete anos você veio me visitar apenas duas vezes, e em ambas era por que desejava alguma coisa de mim. O que você quer agora?

- Professor, o senhor soube do espécime que recebi esta semana?

- Sim, claro. É verdadeiro? Você já conseguiu descobrir alguma coisa a seu respeito?

- Sim, os exames mostraram que provavelmente é uma espécie alienígena, que viveu em Fidis há cinco ou seis milhões de anos. É possivel que tenha sido dotada de alguma forma de inteligência avançada. Não diria tão avançada quanto a humana, mas quase.

- Interessante. E nós nunca tínhamos pensado em pesquisar por lá, não é? É uma pena que Fidis fique bem no meio da região excluída. Gostaria de poder mandar um grupo para pesquisar o local onde ele foi achado.

- Pois é, professor. É justamente por isso que eu vim falar com o senhor. Eu gostaria de ir até lá fazer essa pesquisa.

- Minha querida, isso é absolutamente fora de cogitação. Toda a região de Vega foi definida como área de exclusão por causa dos constantes ataques de piratas e mercenários. Nenhuma nave que se aventure por lá tem suporte da Confederação. Não existem missões de socorro, nem apoio diplomático para a região. Lá é mundo de ninguém. Eu nunca autorizaria uma missão da escola nessas condições.

- Mas professor, nós vamos jogar fora uma fonte como essa só por causa de alguns piratas?

- Minha filha, você não tem a menor noção do que está falando. Não se trata de alguns piratas, mas de seres que mal podemos continuar a chamar de humanos. São homens cruéis, sem nenhum escrúpulo, nem piedade. Eles atacariam uma missão de pesquisadores com a mesma tranqüilidade que atacam um prato de comida. Eu gostaria muito de poder fazer alguma coisa por você, mas o que você está me pedindo é totalmente fora de questão.

- Mas professor!

- Não insista. Por favor, não insista e tire essa idéia da cabeça.

Mona saiu da sala do diretor frustrada e decepcionada. Mas, uma garota decidida como ela não se deixaria abater por um pequeno imprevisto. Ela daria um jeito de ir até Fidis. Entraria em contato com Malman e pediria ajuda. Ele morava lá, havia lhe enviado o espécime e poderia ajudá-la a continuar as pesquisas.

Falar com Malman foi ainda mais frustrante que com o professor. O velho amigo de Morten se mostrou irredutível e nem quis ouvir os seus argumentos. Segundo ele de forma alguma Mona deveria ir até Fidis, sob risco de morte. E esse era o menor dos riscos.

- Mona, você não tem idéia de como é isso aqui. Tire essa idéia da cabeça.

- Mas você mora aí, e está vivo.

- Você não imagina o quanto eu tenho que fazer para me manter vivo. Você acha que eu não quero partir? Acontece que dificilmente uma nave consegue quebrar o cerco dos piratas. Até hoje eu me impressiono com o fóssil ter chegado a você. E seu eu imaginasse que ele poderia provocar uma idéia destas, eu o teria jogado no fogo. Por favor, você sabe o quanto eu gosto de você. Não faça isso de forma alguma, nem em pensamentos.

- Se tio Morten estivesse vivo ele me daria apoio.

- Morten Lindsor podia ser um pouco louco, mas não era inconseqüente. Ele gostava muito de você e nunca permitiria que você colocasse sua vida em risco desta forma. Por tão pouco.

- Não é pouco. Você sabe o que essa pesquisa representa para o palio-alienismo? Pode ser um elo entre nós e os seres alienígenas que habitavam Vega antes dos humanos.

- Mesmo assim. É muito pouco.
- Mas que droga. Será que eu vou ter que fazer tudo sozinha?

- Mona, um fóssil não vale a sua vida. Pense bem, os riscos são muito grandes para valer a pena.

- Ta bom, eu vou pensar nisso.

- Por favor, não venha.

- Tá, eu já ouvi.

- É. Nada entra na sua cabeça mesmo, não é? Se você vai mesmo fazer essa loucura então pelo menos antes de partir me envie todos os dados de sua viagem para que eu possa monitorá-la. Vou precisar de sua rota e da identificação de sua nave. E de todas as datas.

- Ah, Malman, obrigado!

- Não, eu simplesmente não posso fazer nada para impedir. Você é completamente louca.

- Brigadão! Eu te adoro! Beijos.

- Adeus Mona.

- Até breve.

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Nas semanas seguintes Mona se preparou para a viagem, tomando o máximo de cuidado com os pequenos detalhes, tentando prever todas as suas necessidades nos meses em que estaria sozinha em pleno espaço, exatamente como havia aprendido com tio Morten.

Mandou equipar a velha nave de ML com as armas civis mais poderosas, trocou os escudos, já bastante antiquados, por modelos mais novos. Comprou suprimentos em quantidade suficiente para uma viagem de um ano e com a ajuda de um colega da universidade, que entendia de navegação, traçou a rota mais segura de Luyten para Vega.

Vários amigos vieram procurá-la, pedindo ansiosos que ela desistisse da viagem, mas Mona os ignorou. Quando colocava uma coisa na cabeça era quase impossível alguém demovê-la. E nesse caso ela estava irredutível. No fundo ela sabia que não se importava tanto assim com o tal fóssil. Na verdade o que Mona Lindsor, ela havia adotado o sobrenome do tio Mortem após a sua morte, queria era aventurar-se. Lançar-se solitária pelas galáxias. E isso o tio Morten compreenderia.

O céu escuro prenunciava tempestade na manhã que Mona partiu de Luyten rumo à constelação de Vega e finalmente a Fidis, seu destino final. Estava confiante de que a viagem seria tranqüila, afinal era uma exímia piloto e estava habituada a viajar pelo espaço. Rapidamente executou os procedimentos de decolagem e após a autorização da torre de comando acionou os propulsores traseiros e rumou em direção à estratosfera. Sua passagem pela estação de controle de imigração de Luyten foi tranqüila e apenas algumas horas após a decolagem a nave já estava tomando sua rota rumo à zona de exclusão e ao perigo.

Pelos planos que ela havia traçado seria possível chegar a Fidis em pouco menos de seis meses. A maior parte do tempo viajando em regiões seguras e policiadas. Nada havia a temer.

Quando estava passando por Epsilon-Eridani, no entanto, Mona se viu frente a frente com um ataque de piratas a um comboio comercial. Seguindo os ensinamentos de ML ela rapidamente procurou um grupo de asteróides onde se esconder, ligou os escudos e os sistemas anti-rastreamento, que impediria os piratas de detectá-la e pelo sistema de telescópios se pôs a observar a cena que se desenrolava à sua frente.

Os pilotos da escolta lutavam com ferocidade, tentando levar os piratas para longe dos cargueiros, enquanto as gigantescas naves de transporte se afastavam, tentando chegar a um ponto de salto próximo. Mas antes que estas atingissem o portal, novas naves piratas surgiram e atacaram o comboio por todos os lados e ao mesmo tempo. Feixes de luz brilhavam na escuridão, iluminando o rosto da jovem, que fascinada observava a cena sem saber o que fazer.

As naves da escolta foram rapidamente dizimadas e o comboio de cargueiros repentinamente se viu indefeso diante da força brutal dos piratas. Era impossível evitar que toda a carga fosse tomada. Num gesto de desespero os comandantes ordenaram que todos os containers fossem destravados e soltos no espaço e se afastaram da carga, numa tentativa de pelo menos salvar as naves e as vidas dos tripulantes. De seu ponto de observação Mona respirou aliviada. Os piratas já tinham o que queriam e agora deixariam as naves partir.

Mas aqueles piratas não partiriam assim tão facilmente. Em um movimento coordenado os caças se alinharam e atiraram uma carga de mísseis contra o grupo de naves cargueiras. A explosão a cegou por um instante. Quando finalmente conseguiu olhar para o local da batalha todos haviam desaparecido. Apenas alguns destroços indicavam o que restou das naves de carga. Os piratas haviam recolhido os containers e executado o salto. Durante várias horas ela se quedou ali, parada, com medo de se afastar da segurança de seu esconderijo. Ainda não acreditava no que acabara de presenciar. Uma grande tristeza a invadiu. Pela primeira vez, desde que decidira aventurar-se nessa expedição, Mona ficou em dúvida se realmente fizera a coisa certa. Sozinha em sua nave, olhando o espaço vazio à sua frente cogitou, pela primeira vez desde a chegada do fóssil, que talvez o diretor e Malman pudessem estar certos e que ali não era um lugar seguro para ela estar. Respirou profundamente e acionou os jatos de sua nave. Dentro de dois dias ela sairia da região conhecida como a Fronteira. Entraria então no território sem lei. Dali até Fidis seriam apenas mais duas semanas de viagem. Com certeza nada de mal aconteceria. Por dentro Mona já não tinha tanta confiança, mas não podia, nem queria, voltar atrás. Continuaria em frente e tudo daria certo.

Dois dias depois Mona deu o salto de Altair 2 para Vega e, nesse instante, se deu conta de que a partir de agora ela só podia contar com a sorte. Seriam pouco mais de dez dias de apreensão até a chegada a Fidis. Seguindo o procedimento padrão ela ligou todos os alarmes da nave, preparou as armas e ativou os escudos com a máxima força possível, se preparando para o pior. Olhou para o relógio da cabine. Sete horas da manhã pelo horário padrão. Pediu para o computador calcular as horas em Fidis, lá eram duas horas da madrugada Malman com certeza deveria estar dormindo. Iniciou o procedimento de salto e começou a sua jornada rumo ao inferno.

As horas passavam vagarosamente, Mona se recusava a sair da cabine de comando, com medo que algum ataque acontecesse enquanto ela dormia. Desde o ataque aos cargueiros, Mona não vira qualquer outra nave. A solidão do espaço lhe dava nos nervos. O nervosismo começava a tomar conta de sua mente. Tentou cantarolar uma antiga canção, mas estava muito nervosa para conseguir passar da primeira estrofe. Olhou novamente o relógio, onze horas da manhã. Céus passaram apenas quatro horas desde o salto.

Dez horas depois Mona ainda estava na cabine de comando. Não dormia há mais de trinta horas. O seu corpo começava a fraquejar. Por enquanto nada ainda havia acontecido, mas ainda faltavam muitos dias de viagem. Tentou se comunicar com Malman várias vezes mas não conseguiu resposta. Isso a assustava mais que a tensão da viagem em si. Se algo acontecesse não teria como mandar um pedido de socorro.

Depois de quase quarenta horas consecutivas na cabine de comando, dormitando rapidamente na sua cadeira, Mona sentia todo o seu corpo doer. A comunicação ainda estava suspensa. O sono se apoderava de sua mente. O toque do alarme fez seu corpo se retesar. O visor mostrava uma formação de naves de ataque a poucos quilômetros de distancia. Fossem quem fossem o ideal era evitar o contato. Assumindo o controle manual Mona girou sua nave para a direita e acionou os propulsores aumentando a velocidade da nave quase até o ponto de limite. Precisava sair da área de alcance do radar inimigo antes que a notassem, se é que isso ainda não acontecera. O alarme tocou novamente. Pelos visores Mona viu três naves inimigas partirem em sua direção a uma velocidade espantosa. Sua velha nave nunca conseguiria se livrar daqueles perseguidores. Mona contava apenas com sua perícia como piloto, mas imaginava que aqueles que a perseguiam deveriam ser pilotos tão bons quanto ela. Girou sua nave e partiu em direção a um grande cinturão de asteróides à sua frente. Como numa brincadeira de gato e rato as três naves a seguiam por todos os lados. Mona começou a se desesperar com a perseguição. Nunca antes vivera uma situação como essa.

Tentou enviar uma mensagem de socorro, mas os canais de comunicação estavam mudos. Um asteróide se aproximou rapidamente. Mona tentaria jogar pelo menos um dos inimigos contra ele. Acelerou mais, mas as naves inimigas também aceleraram. Acelerou mais um pouco. O asteróide se aproximou mais. De repente Mona entendeu o que eles estavam fazendo e se desesperou mais ainda. As naves inimigas fecharam mais próximo de Mona. Ela não teria como desviar do asteróide. Se não parasse se chocaria. Sem saber o que fazer Mona resolveu tentar uma manobra radical, girou a nave para baixo, acionou o lançador de minas e, num movimento desesperado reverteu bruscamente a direção. Sua visão ficou vermelha e por um décimo de segundos perdeu a noção de onde estava. Seus olhos registraram um brilho rápido de explosão. Um dos caças havia explodido em meio às suas minas. Sua visão entrou em foco novamente. Os dois piratas restantes atiravam contra sua nave. Um alarme começou a berrar dentro da cabine. Assustada e sem saber o que estava acontecendo Mona olhava para todo o painel, procurando o motivo do alarme. Que diabos era isso?

Mais asteróides passavam velozmente por ela. Se um deles a atingisse seria o final de sua viagem. Ligou o simulador de sons, para tentar perceber de onde vinham os tiros disparados pelos piratas, que ainda estavam na sua cola. Tuém, tuém, tuém, a droga do alarme não parava de berrar, deixando-a ainda mais nervosa, até que uma voz metálica e assustadoramente calma para uma situação como aquela disse pelo auto-falante.

- Sistema Anti-míssil acionado automaticamente.

- Pooorra, então é isso? Porque diacho você não se acionou antes, droga. - Berrou mona para o painel de controle, registrando mentalmente que se saísse dessa situação iria processar os fabricantes do sistema de defesa.

Fazendo manobras bruscas para se esquivar dos tiros, dos mísseis e dos asteróides, Mona avançava velozmente para o centro do cinturão, sempre seguida de perto pelas naves dos piratas. O suor escorria pelas suas têmporas. Suas mãos molhadas escorregavam a todo instante no manche. Ela tinha a sensação de que correra uma milha em um minuto, tal o estado de cansaço físico em que ela se encontrava. Sentia a respiração acelerada e acima de tudo, um medo terrível. Mais medo do que jamais sentira em toda a sua vida. Asteróide à frente, manobra para a direita, reversão e manobra para cima, um tiro explodiu ao seu lado e ela manobrou para a direita de novo. Um outro asteróide veio em rota de colisão, de cima para baixo.
No último instante ela girou a nave para a mesma direção do asteróide, passando a poucos centímetros de sua superfície. Um dos piratas não foi tão rápido e bateu no imenso bloco de granito, incendiando em uma grande explosão. Agora só faltava mais um.

Num movimento inesperado Mona reverteu a nave, acionou suas próprias armas e atacou. Não tentaria mais fugir. Ia lutar de igual para igual. Girou em direção ao pirata e acelerou sua nave até a velocidade limite. Quando estava quase no momento de colisão ela disparou uma carga mista de foguetes, tiros plasmódicos e minas de arrasto. No instante seguinte girou a nave e saiu da rota de colisão. O monitor traseiro lhe mostrava uma bola de fogo e gás se expandindo no lugar onde antes estivera a nave inimiga. Por incrível que pareça ela vencera sua primeira batalha.

Pelo localizador viu que estava a pouco mais de um dia de Fidis. Colocou a nave na rota correta e disparou rumo ao final de sua viagem.

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